QUANDO NÃO SOMOS MAIS DONOS DE NÓS MESMOS?
25/03/2015Por ser estreita a senda – eu não declino/Nem por pesada a mão que o mundo espalma/Eu sou dono e senhor de meu destino/Eu sou o comandante de minha alma.” William E Henley
O mundo conheceu o poema Invictus de William E Henley através de Nelson Mandela. Talvez o presidente sul-africano seja o grande exemplo de como “agarrar as rédeas” da própria vida, talhar o destino conforme se quer. Deslocar a imposição das forças externas enformadoras para a criação e governo livres do ser.
Mas será que Mandela teve sempre liberdade de criação? Ou será que por vezes se viu obrigado a seguir um destino não escolhido por si, mas sim por pressões advindas de seu cargo, da sua imagem, de seu poder, de sua responsabilidade?
Não temos essa resposta, muito pelo contrário, temos a pior das perguntas: por que o ser humano acha que pode julgar uma pessoa, mesmo sem conhecê-la? Não foi exatamente isso que fizemos a pouco, julgamos Mandela um verdadeiro comandante? Foi sim.
Para sermos mais bairristas, vamos fazer um recorte nacional, analisando o “laboratório humano” Big Brother Brasil nessa mesma temática, do julgamento do um pelo outro.
Nossos programas midiáticos estão lotados de informação sobre a crise econômica do país, sobre a Operação Lava-jato e sobre o BBB. O fascínio humano sobre a violência e sobre a intimidade do outro são coisas que somente a Psicologia pode(rá) explicar, mas nosso foco é jurídico.
Uma breve “passeada” pelas redes trará dados quantitativos de como pessoas gostam de julgar. Seja um paredão entre um motoboy e uma pseudo juíza, seja o momento que casais fulminantemente (por menos de um mês) apaixonados se despedem aos prantos; lá estarão comentários de todos os tipos, desde o apoio do ombro amigo-invisível ao crítico que parece estar em posse do “livro da vida” do participante. Fato é: 99% dos comentários estão carentes de fundamentação e comprovação fática.
A presunção de inocência deveria valer em todos os casos, não somente judiciais. As provas deveriam sempre estar em primeiro plano, para depois vir a opinião; o julgamento deveria ser sempre o último ato do processo-vida, não o primeiro; os juízes do outro deveriam seguir o atual modelo do livre convencimento motivado, no qual a liberdade de sentenciar está cercada pela verdade que se conseguiu provar e não esse modelo frenético em que disparo contra quem eu quiser, sob o argumento que foi ele quem escolheu. A Criminologia explica isso como técnica de neutralização, nela o verdadeiro culpado desloca seu erro para outro, sob o argumento que não teve escolha – a vítima vira culpado e o culpado vítima.
Esse jovem de Guarapuava é um exemplo ainda mais próximo. Quem o conhece, amigos, parentes, vizinhos, levantam a bandeira e mostram que ele está sendo ele mesmo dentro da “casa mais vigiada do Brasil”, que realmente é um cara quieto, estudioso, que gosta de “falar difícil”, que tem sotaque carregado; enquanto isso do outro lado são tecidas críticas severas de que está fazendo um personagem, que não é pobre, que pode ser homossexual, que vive de academia, que é burro.
Será que ele perdeu o direito de ser dono de si? Será que a simples exposição midiática tem potencial para retirar direitos fundamentais da pessoa? Será que a fama do outro retira todos os freios morais e legais que temos em relação a ele, podendo xingar, acusar, julgar, condenar?
Todas as respostas deveriam ser não, pois aprendemos com o Direito que se de um lado nascem liberdades, do outro nascem responsabilidades.
Se fossemos um juiz, hoje, julgando o guarapuavano, teríamos que absolvê-lo de todas as acusações e dar total provimento à parte defensiva, pois fundamentados mesmo, até agora, só estão os familiares, que com todo o aparato probatório pleiteiam respeito, dignidade e apoio à realização de um sonho.
O veredito é, SEMPRE SEREMOS DONOS DE NÓS!
(Rudy Heitor Rosas – Professor do Curso de Direito da Faculdade Campo Real)